terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

O mundo está acabando e eu aqui, procurando um biquíni de poá.

 


Aceno para a senhorinha que estava conversando no ônibus, peço licença, uma empurradinha ali, um "me desculpe" aqui, e desço do ônibus rumo ao centro da cidade. 

Paro em frente á uma banca de revista, leio as principais notícias enquanto tiro meu casaco. Então penso enquanto tiro o casaco: poxa vida, o mundo acabando e eu aqui tirando meu casaco. 

Teve ataque no aeroporto, fora Temer, a abertura da olimpíadas, o estupro, o super faturamento, o aumento do dólar, aquele casal de atriz e atleta que tem três filhos e divorciaram, tem seleção feminina em destaque e tem chuva na quarta-feira.

Dou dez passos e tem um garoto de aproximadamente catorze anos caído e embriagado. A polícia está acordando ele, e meu coração dói ao pensar que ele podia estar sendo acordado por sua mãe, em sua casa. 

Paro alguns instantes pra pensar exatamente onde estou e pra onde devo ir. Viro á esquerda, minha amiga disse que tem uma loja de biquíni na rua VII.  

Vejo uma fila enorme de aproximadamente duzentas pessoas na Rua VII, pergunto pra que é aquela fila e uma moça me responde dizendo que é uma vaga de emprego que abriu. Uma vaga de emprego para duzentas pessoas. Uma. 

Olho pro outro lado da rua, não tem nenhuma loja de biquíni, mas tem aquela doceria, eu penso na dieta, penso também na quantidade de gente passando fome. Fico transtornada, compro um brigadeiro e o devoro em dez segundos, só sinto o gosto da culpa. 

Eu estou tão cansada, tão cheia de culpa, e eu não apertei nenhum botão, não votei na eleição passada, não matei, não roubei, não embolsei, não estuprei, nem homem sou, sou mulher e tenho medo de sair a noite, medo de usar saia curta, não explodi nada, não bati em ninguém. Eu no máximo chorei, chorei muito, e vocês sabem chorar não resolve nenhum problema.

Eu tomo fôlego e subo a Rua da Penha, recebo uma mensagem de uma amiga marcando para tomarmos um sorvete, um encontro marcado no mesmo mundo onde são marcado os atentados. 

E essa loja que não chega, e esse mundo que escuto dizer desde quando nasci que está acabando, e não acaba. 

Ando mais um pouco e um mendigo me pede dinheiro, eu digo não com cara de "me desculpe meu dinheiro está contado", dou alguns passos adiante e penso pra que meu dinheiro está contado: para comprar um biquíni de poá. Estremeço e penso no quão sou egoísta, o mundo está acabando e eu aqui, procurando um biquíni de poá.


(TEXTO DE 08 DE AGOSTO DE 2016)

Nenhum comentário:

Postar um comentário