domingo, 10 de março de 2024

Estão gourmetizando tudo




Estava combinando um almoço com minha melhor amiga, ja tinha um tempo que não nos víamos e ambas tínhamos tantas novidades para contar. 

"Amiga, abriu uma hamburgueria gourmet no centro. Precisamos conhecer. Ela é instagramável e assinada por um chef famoso... Jean Kennedy alguma coisa... Vamos?". 

Eu topei. Apenas interessada na companhia da minha amiga e em comer um bom hambúrguer.  

No cardápio havia vários termos que não conhecíamos, mas parecia chique o bastante para minha amiga se encantar. 

"Por favor, eu quero esse hambúrguer aqui - não sei falar esse nome - pão brioche, carne e queijo, certo?" - Pedi ao garçom. 

"Certo senhora. E qual será o queijo? Temos brie, queijo da serra canastra..." 

"Queijo cheedar, bastante cheedar! - Exclamei. 

"O pão brioche gostaria que nosso Chef selasse na manteiga com especiarias?" - perguntara o garçom. 

"Não, apenas manteiga normal" - Indaguei. 

"Para acompanhar deseja nossa maionese de gengibre, nosso molho de Dijon com Mel e Banana, ou nosso Katuchup agridoce de cereja? - Continuo o garçom. 

"Não, apenas Katchup normal, feito de tomates. Vocês tem?" - Questionei. 

Eu adoro comer bem, e acho realmente a comida uma arte, suas texturas e todas combinações possíveis com um único alimento. O problema é que essa "gourmetização" toda não parou apenas nos restaurantes. Foi se instalando aos poucos em tudo que fazemos, consumimos e somos. 

Quando fui comprar meu apartamento, há uns anos atrás, estava em alta o conceito de "varanda gourmet", mal tinha o dinheiro para um hambúrguer gourmet, questionei a corretora o que era essa tal varanda gourmet. 

"É uma varanda com churrasqueira". 

E desde quando "churrasqueira" virou gourmet? Churrasqueira não é apenas churrasqueira? Meus pais sempre tiveram uma churrasqueira na lavanderia, e nunca usaram o termo "lavanderia gourmet". 

Gourmetizaram também o café. Dizem por ai que bom mesmo é o café gourmet da arábica, moído e torrado lentamente. O café que tomamos no escritório por tantos anos para aguentar o dia depois de uma ressaca, ou o café da sua avó -  não presta. Os melhores são os gourmet. 

Gourmetizaram a vida das crianças. Dia desses vi no mercado a papinha gourmet de banana, laranja e própolis.

Tem uma receita de bolo de fubá gourmet no Tudo Gostoso. 

Gourmetizaram as barbas masculinas. Agora tem produtos com aloe vera. 

E não satisfeitos, gourmetizaram os exercícios físicos -  "Você malha nessa academia de bairro? Cade seus looKs de treino?"

Estamos vivendo em um mundo "gourmet", "instagramavel", cheio de "lifestyle". 

Eu quero uma vida menos gourmet. Quero que parem de me convidar o tempo todo para comer o hambúrguer assinado pelo chef Jean Kenneddy sei lá o que. 

Eu quero abrir meu vinho barato, comer meu escondidinho caseiro, o frango a passarinho da minha mãe, o bolo de fubá que as vezes fica fofinho, as vezes solado. Quero ver meu pai na sua churrasqueira nada gourmet, perdendo o ponto da carne porque ficamos rindo de algo atoa.

Eu quero memórias sorridentes, momentos engraçados, abraços apertados - não só fotos bonitas para postar no instagram. Eu quero o sentimento que aquela foto antiga que minha mãe tirou de mim chupando manga me desperta, não a foto do dia que eu estava deslumbrantemente linda e destruída por dentro. 

Não quero um apartamento com varanda gourmet. Quero vizinhos honestos, e que não façam muito barulho. 

 Não quero uma vida limitada a pão, carne e queijo, mas ter que escolher Katchup agridoce de cereja, cansa. 

Quero talvez, uma noite gourmet a cada dois meses. Sentir o sabor, as combinações e texturas. Me surpreender com o salmão recheado com geleia de cáqui ou do café gourmet arábico que algum amigo trouxe de presente quando visitou a Europa.  

No mais, eu dispenso o sorvete de chocolate belga com notas de laranja. Eu prefiro acreditar que o sorvete de flocos tem o seu valor - e ainda é o meu preferido. 

Vivo a vida acreditando que não há felicidade maior do que ser feliz com o pouco. 




 


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